sábado, 18 de março de 2017

O Brasil no Contexto - 1987-2017



O tempo histórico sofreu uma acelerada nestes últimos 30 anos. No Brasil e no mundo as mudanças são profundas e estão à vista de todos. A economia e a sociedade eram diferentes, as mulheres e as famílias eram diferentes, a música e o jornalismo eram diferentes, a luta pela cidadania era diferente, diferentes eram até o esporte e a língua falada e escrita. Este livro, comemorativo dos 30 anos da Editora Contexto, é um balanço destas três décadas a partir do olhar de dezessete especialistas, todos autores da casa. O que aconteceu com nosso país enquanto a Contexto surgia, lutava para se afirmar, ocupava seu terreno passo a passo até se tornar uma importante referência na vida editorial e cultural do Brasil? O país melhorou, piorou, ficou na mesma? O que é que almejávamos, o que almejamos agora? Ainda acreditamos no futuro ou nos conformamos com o que somos? O que queríamos, o que conseguimos, o que conquistamos, do que desistimos? Nesta obra, enriquecida pela pluralidade de pontos de vista sobre várias áreas, o leitor encontrará diversas respostas a essas questões.
 

Jaime Pinsky, historiador e editor, doutor e livre docente da USP, professor titular da Unicamp. Escreve regularmente no Correio Braziliense e, eventualmente, em outros jornais e revistas do país. Tem mais de duas dezenas de livros publicados (autoria, coautoria e/ou organização).

José de Souza Martins - Magda Soares - Nelson Piletti - Antonio Corrêa de Lacerda - Carlos Eduardo Lins da Silva - Arlete Salvador - Ana Scott - Carla Bassanezi Pinsky - Joana Maria Pedro - José Rivair Macedo - Renato Sérgio de Lima - Dermeval da Hora - Thaïs Cristófaro Silva - Milton Leite - Sergio Florencio - Milton Blay - Leandro Karnal

Editora: Contexto
Preço: 29,90
224 páginas
 

quarta-feira, 8 de março de 2017

No dia internacional da mulher, falemos da Escrava Isaura



A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães

                                               Antônio de Paiva Moura


            A história do livro A Escrava Isaura se passa inicialmente em uma fazenda, em Campos dos Goitacases (RJ). Isaura é uma escrava branca, muito bonita e bem educada, que foi criada como filha na família do Comendador, proprietário de grande engenho. Durante muito tempo, foi protegida de Ester, mulher do comendador, mas após a morte desta, Isaura tornou-se propriedade de Leôncio, um jovem recém-casado com Malvina. Além de Leôncio, a beleza da jovem escrava desperta paixão em vários personagens, como o jardineiro Belchior, o feitor da fazenda e Henrique, irmão de Malvina. Isaura se recusa a ceder às tentativas de Leôncio, que, para forçá-la, a manda para a senzala trabalhar com as outras escravas. A escrava suporta o seu destino e não cede a Leôncio, afirmando que ele não era proprietário de seu coração. Além dos assédios e ameaças, Isaura é insultada por Rosa, escrava negra e invejosa. 

            O pai de Isaura, um homem livre chamado Miguel, reúne a quantia pedida pelo pai de Leôncio para libertá-lo, mas o jovem sem caráter descumpre a promessa do pai. Inconformada, a mulher de Leôncio, Malvina, volta para a casa de seus pais, deixando o caminho livre para que o jovem atormentasse ainda mais Isaura. Miguel, o pai de Isaura, consegue tirar a filha da fazenda e foge com ela para Recife (PE). Naquela cidade, Isaura usa o nome de Elvira e vive em uma pequena casa com o seu pai. 

            Em Recife, Isaura conhece Álvaro, por quem se apaixona e é correspondida. Eles vão juntos a um baile e, na ocasião, ela é reconhecida por Martinho e desmascarada em pleno salão. Álvaro fica surpreso, mas defende a amada e resolve impedir que Leôncio a leve de volta. Usando de seu poderio, Leôncio leva Isaura de volta à fazenda, mas Álvaro descobre a falência do jovem sem caráter e compra a dívida dos seus credores, tornando-se proprietário de todos os seus bens, incluindo os seus escravos. Ao se ver derrotado e na miséria, Leôncio suicida-se e a história tem um desfecho feliz.

 *
            Bernardo coloca no centro do romance, uma escrava branca, educada e esmerada em bons princípios. Se fosse uma escrava negra, que vivesse da senzala, o romance publicado em 1875, certamente teria provocado reação violenta dos senhores de escravos contra o autor.  Mas a repercussão de “Escrava Isaura” foi tão grande que o imperador Dom Pedro II, quando esteve em Ouro Preto, fez questão de visitar Bernardo Guimarães. O personagem abertamente assumido como abolicionista é Álvaro, um jovem rico e belo; inserido na aristocracia rural. Essa condição autoriza o autor a se posicionar contra o regime de escravidão. Somente a superestrutura da sociedade podia ter idéias, manifestar posições que contrariassem o establishment ou a ideologia vigente. No dizer do autor, Álvaro tinha um não sei quê de nobreza, amável, simpático. 

            O personagem Martinho representa a classe média urbana, ávida por riqueza, não importando o meio de ganhá-la. Se recebesse vultosa importância de Leôncio, com a captura e entrega de Isaura, ele pararia de estudar e iria viver à toa entre os ricos.  

            Se Isaura era escrava e Leôncio seu dono, ele poderia obrigá-la a ceder ou estuprá-la que nada o importunaria depois, mas não se sabe de onde vinha a força de Isaura para resistir. Então diz o autor: A beleza unida à nobreza de alma, a superioridade da inteligência que impõe respeito aos entes, ainda que os mais perversos e corrompidos. Para Bordieu, as ações simbólicas representam uma posição social, baseadas na lógica da distinção social. A distinção significante é o status que se adquire com o estilo de vida. Dessa distinção, Leôncio não pôde destituir Isaura. O capital intelectual funcionando como escudo contra o poderio do capital econômico.       

              Na condição de advogado e de experiência como juiz, Bernardo Guimarães critica a instituição do direito que privilegia pessoas como Leôncio: é falso dar nome de direito a uma instituição bárbara, contra a qual protestam a civilização, a moral e a religião. Atesta o privilégio de Leôncio, a carta que obteve do ministro da justiça, facilitando a retomada de posse de Isaura. O pai de Isaura queria denunciar Leôncio à Justiça, por estar escravizando uma mulher branca, mas foi dissuadido desse intento, pois onde se viu o pobre ter razão contra o rico; o fraco contra o forte?

            Isaura é símbolo da escravidão que transcende às etnias negras e indígenas. Há outro cativeiro dentro dela. Concepções, princípios morais; vítima de preconceitos contra pobres e das limitações impostas às mulheres. É significativo o fato de Isaura não aceitar ser livre por meio do processo de fuga, mas de acordo com as leis do Império. Em fuga, estaria sempre presa. Há, portanto, uma questão de foro íntimo que atua, fazendo-a temer castigos de Deus, pobreza e outros infortúnios. Se Isaura se casasse com o jardineiro, como queria Leôncio, continuaria sendo cativa, mesmo sendo branca. O casamento com Álvaro a libertaria do preconceito da pobreza, mas não a isentaria da submissão da mulher na sociedade.

quinta-feira, 2 de março de 2017

O fechamento da FNAC e o renascimento das livrarias de porta de rua

por Afonso Borges

A FNAC pretende sair do Brasil e fechar suas lojas. O mix francês de eletroeletrônicos e livros fez água. Os motivos serão muitos: todas as suas lojas são em shoppings centers onde os aluguéis são altos; a crise; a queda de vendas do mercado livreiro, concorrência com as plataformas digitais, enfim… De acordo com os dados divulgados recentemente pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), no período de 05 de dezembro de 2016 a 1º de janeiro de 2017, as livrarias faturaram R$ 172.677.486,86 - queda de  0,8% comparado ao mesmo período do ano anterior. Considerando a inflação, a queda acumulada bateu 9,02%. Em volume, livrarias e supermercados brasileiros venderam 39.415.660 unidades versus as 44.206.542 contabilizados no ano anterior, queda de 10,84%. Sim, é a crise. Mas vejam: qual o percentual de vendas advindas do livro determinaram a decisão da FNAC? Afinal, ali encontra-se de tudo no mundo dos eletrônicos. E,  afinal, todos sabemos que acontece ali a venda de espaço nas gôndolas, como se fosse um supermercado. Existe até uma tabela: vitrine, é tanto, pilha de livros na frente, tanto, prateleira, é tanto. Supostamente, um mercado mais lucrativo que aparenta. Qual o mistério, então? 
Na minha opinião, é falta de incentivo ao autor nacional. Perguntem às editoras médias e pequenas se elas conseguem colocar um livro sequer de seus autores nesta rede. Para que a FNAC se instalou em Brasília se não vende livro de autor brasiliense? O mesmo em Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, Porto Alegre, entre as doze no Brasil? Como se estabelecer em uma cidade sem criar nenhum vínculo com o seu público direto que são os escritores locais? Ou as editoras locais? O modelo da Megastore global, associada à cultura do shopping está condenado. Ou pelo menos ameaçado, do ponto de vista institucional, da relação com o público. 
Mesmo o modelo comercial, onde a sede, em São Paulo, coordena a compra e as distribui para o resto do País. Como eles vão saber que Marcos Piangers, de Porto Alegre, que já bateu um milhão de livros, tem o potencial de vender muito em Campinas? Ou Ribeirão Preto? Mágica? Osmose? O Brasil hoje tem, nas pequenas e médias editoras, um potencial imenso de crescimento e qualidade. Veja a Scriptum Editora, de Belo Horizonte, que lançou Jacques Fux, com “Antiterapias” e ganhou o Prêmio São Paulo, e a poetisa Ana Martins Marques, com “A Vida Submarina”. Ela que ganhou o 3. lugar do Prêmio Oceanos, com “O Livro das Semelhanças”, editado pela Companhia das Letras. Não existe mistério, nem mágica - as megastores tem que mudar as relações comerciais e institucionais e passarem a apoiar o autor brasileiro e a editora local. Ou veremos, no contraponto, um fator muito positivo: o renascimento das livrarias de porta de rua. O que já está acontecendo em Belo Horizonte: na Rua Fernandes Tourinho, na Savassi, existem 3 livrarias tradicionais, a Ouvidor, a Quixote e a Scriptum. A ideia de se fechar a rua e transformá-la em “Rua da Literatura” muda o cenário. Para melhor. E o mais curioso é que, neste sentido, o impacto do fechamento da FNAC para a literatura brasileira é nulo. Nada vezes nada.